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Viver o luto: o fim do casamento

Em um domingo à tarde, Mauricio liga para a mãe: “Mãe, vocês estão em casa? Posso passar aí para um café?”. “Claro, filho”, disse a mãe.
O filho chega sozinho. Conta aos pais que ele e a Clara decidiram se separar. Não era algo súbito. O casamento não ia muito bem nos últimos três anos. Mas a decisão final tinha sido dela. Estavam tristes, os dois. Bem tristes.

A mãe pergunta se o filho tinha certeza e não sabe mais o que dizer. Abraça o filho e choram juntos. O pai, quieto, também deixa uma lágrima escorrer.
– Você precisa ficar aqui por um tempo? Podemos ajudar em alguma coisa? – diz o pai, depois de alguns minutos de silêncio.
– Não. Por enquanto, decidimos que vou ficar em casa. Estamos bem. Vamos fazer as coisas com calma. Mas é difícil. Pode ser que eu venha dormir aqui algumas noites, se estiver muito dolorido.
– E as crianças, quando vão contar a elas?
– Ainda não decidimos. Mas será logo. O Eduardo percebe as coisas muito rápido e a Mila, é incrível, com dois anos, acho que saca tudo melhor que nós três juntos. Só estamos colocando as ideias no lugar para pensar na melhor forma para contar para cada um.
Após mais silêncio, a mãe pergunta:
– E a Clara, como está?
– Mal. Ela sente muito pelo vínculo com vocês também. Chorou bastante pensando que não teremos mais as férias em Atibaia todo ano. Eu disse que ela poderia ir… mas acho que, na prática, isso não vai acontecer, né?
– Puxa, os natais… com quem ela vai passar os natais agora? Será que vai querer levar as crianças pra casa da Ana em Porto Alegre todo ano? Eles vão sentir falta dos primos…
Depois de mais uma hora realizando cada uma das coisas que mudariam na vida das crianças, do Mauricio, da Clara, dos avós, o cansaço da dor já era demais e os três chegaram a rir algumas vezes de sua miséria.
A situação lembrava muito o dia em que avó Maria morreu, há quatro anos. Uma conversa bastante bizarra, que passava por o que fazer com a cadeira de rodas até quem ia fazer os rabanetes no natal, tudo para conseguir entender que acabou. Uma sensação de tristeza muito profunda, junto com um amor igualmente profundo que unia os que ficaram e lhes trazia uma certa alegria, meio esquisita. Eles estavam ali. A dor ia passar. A vida ia continuar.

O casamento às vezes também morre. E a dor é a mesma. É preciso sentir cada uma das coisinhas que não vão existir mais. Viver o luto: o fim da Clara e do Maurício.
A-Clara-e-o-Maurício morrem, mas a Clara e o Maurício ainda estão ali. O Eduardo, a Mila, a vó, o vô, o sogro, a sogra, os primos, os tios. Todo mundo ainda está ali. E pode haver algum conforto, uma alegria esquisita de saber que eles estão ali, que a dor vai passar e a vida vai continuar.
Quando comecei a escrever esse texto, a ideia era dividir um insight: por que vemos como uma verdade absoluta que a separação significa briga? Por que quando um amigo, um irmão, um filho, um pai, nos conta que está se separando, temos o instinto de defendê-lo, difamar a sua Clara, com quem convivemos – e de quem gostamos – por tanto tempo? Por que recomendamos que se proteja de atitudes maliciosas que prevemos que a Clara tomará? Por que, simplesmente, não choramos junto com o Maurício? Por que não nos preocupamos com a Clara e como ela está se sentindo? Por que não entendemos que aquele casal querido está morrendo e isso é triste, mas que os nossos dois queridos ainda estão vivos e que continuam sendo as mesmas pessoas?
Talvez a guerra, a raiva sejam menos difíceis do que a dor da perda e, por isso, criamos esse mecanismo de defesa. Mas talvez também hoje já consigamos entender que tanto Clara quanto Maurício ainda poderão estar conosco, e talvez essa alegria possa nos consolar.


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