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Dois Casos de Traição

Certa vez, tive dois clientes homens, dois casos de traição, simultaneamente: um havia sido traído. O outro era “o traidor”.
Eu ainda não conhecia a Mediação, nem as Práticas Colaborativas. Conhecia muito bem o Direito de Família – ou o que eu achava que esgotava o Direito de Família: as leis, as decisões judiciais, as boas teses jurídicas.
Eu sempre gostei de ouvir “a história” com detalhes. Uma primeira reunião durava – e ainda dura – duas horas pelo menos. Mas acho que naquela época, eu não sabia o que fazer com aquelas histórias. Na verdade, eu sabia: anotava todos os detalhes, fazia perguntas para ter mais detalhes que sabia que impactariam o Juiz ou a Juíza e depois escrevia a coisa toda de forma dramática nas minhas extensas petições iniciais.
Os clientes adoravam! “Você entendeu tudo. Era exatamente o que eu queria dizer!”.
Acho que se eu simplesmente entregasse ao cliente aquela petição – que era a história dele em umas 20 laudas, somada a umas 25 de jurisprudência, leis e pedidos, que diziam que ele tinha razão e que deveria receber tudo e mais um pouco – ele estaria satisfeito. Na verdade, aquele reconhecimento da sua história, dos seus sentimentos, do que ele merece, já tinham pago os meus honorários, que eram bem altos. Não precisava de muito mais. Naquela noite, em que eu enviava a minha prolixa petição, os clientes tinham um momento de preenchimento do vazio: haviam sido ouvidos.
Mas na mesma noite, eu distribuía a ação. Na manhã seguinte, seria designado o Juiz do caso e iniciar-se-iam semanas de grande ansiedade: “O juiz deu a liminar?”, “O que o Ministério Público falou?”, “Ela já sabe da ação?”. A paz durara pouco.
Aquela petição, da qual eu me orgulhava, contava uma história da qual eu mesma me convencia. Eu havia ouvido o cliente contá-la e se emocionar, cheio de verdade. Não há como não ser impactada. No fundo, nunca me faltou a certeza de que aquela história tinha outro lado. Eu quase podia ouvir a outra versão enquanto ouvia “a original”. Mas isso não tirava a verdade do que eu estava ouvindo. Era a verdade dele. Ele estava sentindo. Esses foram os fatos que ele marcou na sua mente e em seu coração.

Depois de uns dois meses, mais ou menos, chegava a outra verdade, na forma de contestação e/ou agravo. Às vezes, eu ficava brava por não ter sido comunicada de algumas partes dela. Mas, rapidamente, minha feição mudava, meus ombros enrijeciam e eu tinha um prazer mordaz em analisar cada palavra, cada deslize, cada número, cada argumento, e contrapor um a um, em um raciocínio lógico venenoso e delicioso. Até hoje, escrevendo sobre a sensação, sinto que faço a mesma cara, contraio os mesmos músculos e todas as células do meu corpo começam a funcionar daquele modo.
Voltando aos meus clientes – o “traído”, com a autoestima destruída, que dava vontade de abraçar, mas que logo se tornou um vilão também (não há como não ser, no processo judicial) e o “traidor”, que, apesar de leve de amor e aliviado com a separação, logo começou a ser vítima de um processo duríssimo envolvendo seus filhos –, hoje fico pensando como eu poderia ter sido melhor para eles, para suas ex-esposas, para seus filhos e até para suas atuais companheiras.

Eu não teria deixado de ouvir suas histórias, as reais para eles. Não lhes negaria reconhecimento. Mas talvez tivesse contado a eles as histórias alternativas que vinham na minha cabeça. Talvez pedisse que eles fossem resilientes e pacientes com as mães de seus filhos, pelo bem deles. Que dessem tempo ao tempo. Explicaria que aqueles dois meses de extrema ansiedade, só esperando a primeira das muitas respostas venenosas que viriam nos próximos dois e três anos, poderiam ser substituídos por meses de recuperação. Pediria, enfim, que me dessem – se dessem – a chance de ajudá-los a resolver de outra forma, em nome de sua saúde emocional e financeira, mas principalmente, dos seus filhos.


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